quinta-feira, 14 de maio de 2009

SAUDADE - DO COMENTÁRIO DO PAULO FRANCIS

Paulo FraJustificarncis, pseudônimo de Franz Paul Trannin da Matta Heilborn (Rio de Janeiro, 2 de setembro de 1930Nova Iorque, 4 de fevereiro de 1997) foi um jornalista, crítico de teatro e escritor brasileiro.

Crítico teatral e intelectual de esquerda

Neto de um comerciante alemão de café, Francis fez a educação fundamental e o secundário em colégios católicos tradicionais do Rio de Janeiro, tendo sido interno dos beneditinos no primário e aluno dos jesuítas do tradicional externato Santo Inácio no secundário. Freqüentou a Faculdade Nacional de Filosofia na Universidade do Brasil, nos anos cinqüenta.
Foi ator amador no grupo de estudantes mantido por Paschoal Carlos Magno, mas acabou por abandonar os estudos universitários no Brasil em favor de um curso de pós-graduação em Literatura Dramática na Universidade de Columbia, em Nova Iorque, onde foi aluno do especialista em Bertolt Brecht, Eric Bentley. Não concluiu o curso, mas a partir dele lançou as bases intelectuais de sua futura carreira jornalística.
Num artigo escrito em 1971 para O Pasquim, e recentemente republicado numa antologia da Editora Desiderata (v. referências abaixo) aliás, Francis admitiria que uma vez havia redigido de improviso um artigo sobre Shakespeare cujos erros factuais lhe teriam sido apontados pela sua colega de crítica teatral Bárbara Heliodora, mas que ele teria mantido todos os erros, por não estar interessado na realidade dos fatos, mas numa "análise".[carece de fontes?]
Paulo Francis notabilizou-se, em primeiro lugar, como crítico de teatro do Diário Carioca entre 1957 e 1963, quando intentou realizar uma crítica de teatro que, longe de simplesmente fazer a promoção pessoal das estrelas do momento, buscasse entender os textos teatrais do repertório clássico para realizar montagens que fossem não apenas espetáculos, mas atos culturais - nas suas próprias palavras, "[buscar] em cena um equivalente da unidade e totalidade de expressão que um texto, idealmente, nos dá em leitura [...] a unidade e totalidade de expressões literárias"[1]. . Seu papel como crítico, à época, foi extremamente importante. Sua agressividade verbal o colocava no centro das atenções e era acusado regularmente pelos criticados de se deixar levar pelas idiossincrasias pessoais e vaidade.
Ficou famoso o ataque - que ele mesmo classificaria mais tarde de "mesquinho, deliberadamente cruel" - à atriz Tônia Carrero - [2] que, por havê-lo acusado de "sofrer do fígado" e ser "sexy" - na gíria da época, homossexual - foi por ele acusada de haver-se prostituído e de mercadejar fotos de si mesma despida. Foi por isso agredido fisicamente duas vezes - pelo então marido da atriz, Adolfo Celi, e pelo colega de Tônia no Teatro Brasileiro de Comédia, Paulo Autran.
Em 1963, Francis foi convidado por Samuel Wainer a assumir uma coluna política na Última Hora. Como comentarista, apoiou o esquerdismo trabalhista de Leonel Brizola, a ponto de anunciar publicamente que teria incorporado-se a um dos "grupos de onze" de resistência armada antigolpista que Brizola organizava na época.
Levou a tal ponto este radicalismo que chegou a ser demitido por Wainer, que no entanto recontratou-o, paradoxalmente, após protestos de um grupo de membros da burguesia carioca que tinham em Francis uma espécie de "guru" (como disse Wainer em suas memórias: "vou te recontratar, Francis, porque faço tudo que meu banqueiro mandar").
Após o Golpe de 1964 e durante toda a ditadura militar, Francis trabalharia sobretudo no semanário O Pasquim- mas também na Tribuna da Imprensa de Hélio Fernandes - onde, de 1969 a 1976, refinou seu estilo num sentido mais coloquial, tendo sido uma parte importante da resistência cultural, comentando sobre assuntos internacionais e divulgando idéias de Esquerda como simpatizante trotskista que era então. Tomou posições intelectualmente corajosas contra a intervenção americana no Vietnã- e contra a ocupação israelense na Palestina - que afrontaram o consenso pró-americano e israelense da grande imprensa brasileira da época.
Foi preso diversas vezes, e, em 1971, a constante importunação da censura e dos orgãos de repressão da ditadura acabou por levá-lo a residir em Nova Iorque, como correspondente, primeiro d'O Pasquim, da Tribuna da Imprensa, da revista Status, e, após 1976, do diário paulista Folha de S. Paulo, então reformulado editorialmente pelo também simpatizante trotskista Cláudio Abramo.
Na época, Francis cometeu um de seus erros mais famosos: numa crítica sobre o filme norte-americano Tora! Tora! Tora!- que ele acusava de minimizar o caráter traiçoeiro do ataque japonês a Pearl Harbour- escreveu que o Almirante Yamamoto havia comparecido a uma première do filme em 1971 - esquecendo que o militar japonês havia morrido quando seu avião foi abatido pelos americanos em 1943.
Incursões na literatura
No fim da década de 1970 Paulo Francis lançou-se como romancista, tentando fazer uma crítica geral da sociedade brasileira através dos seus romances Cabeça de Papel (1977) e Cabeça de Negro (1979). Para essa crítica através da literatura, Francis aproveitou suas experiências pessoais dentro da elite cultural e social do Brasil e principalmente do Rio de Janeiro.
Os dois romances são uma tentativa de retratar os meios jornalísticos e da boemia carioca dos anos 1960 e 1970 através do uso de um alter ego de Francis, o qual atua como narrador em primeira pessoa, utilizando um estilo subjetivo à maneira, já consagrada na ficção moderna, de
James Joyce e Marcel Proust; por outro lado, esta representação subjetiva, própria da literatura de elite, busca uma concessão ao interesse do leitor médio articulando-se (no entender de muitos, como o amigo de Francis, o cartunista Ziraldo, mal) a um enredo de thriller de espionagem sofisticado, à maneira de Graham Greene e John Le Carré.
Francis engajou-se na literatura de ficção com sua costumeira auto-suficiência, dizendo em entrevista ao
Jornal do Brasil que no Brasil só se fariam dois tipos de literatura: O registro de sensações e as reflexões existenciais de uma mulher intelectualizada (e.g. Clarice Lispector) ou as desventuras do povo oprimido pela elite (e.g. o regionalismo de Jorge Amado), e que havia cabido a ele a tarefa de produzir uma literatura romanesca centrada não nos oprimidos de classe e/ou gênero e sim nas elites.
Mas Francis, paradoxalmente, não reconhecia a existência de toda uma vertente conservadora na literatura brasileira moderna que havia adotado exatamente este ponto de vista, tal como os romances de Octavio de Faria e Lúcio Cardoso, muito embora certamente conhecesse e respeitasse estes autores (além destes, o pernambucano Hermilo Borba Filho estava na época tentando realizar um projeto literário semelhante).
Os romances de Francis, apesar de conterem os recursos estilísticos habituais (frases telegráficas, coloquialismo, uso de estrangeirismos) que haviam feito a celebridade de Francis como jornalista, não foram apreciados pela crítica literária - a esta altura já concentrada nas universidades - que censuraram-lhe o caráter indeciso de sua ficção entre a literatura de elite e a popular, a ligeireza da discussão de idéias e o recurso freqüente ao puramente escandaloso ("retórica da esculhambação"), o grosseiro e o sexual. Seus críticos reconheceram, no entanto que o uso de tais recursos poderia explicar-se, seja pela influência de autores como Nelson Rodrigues e Henry Miller, seja pelo desejo, próprio de todo o modernismo brasileiro, de contrapôr-se à retórica pomposa e vazia do senso-comum dominante.
Estes romances tiveram relativo sucesso de público, tendo sido reimpressos várias vezes durante a década de 1970; mas não tiveram o sucesso esperado por Francis, e como já visto, foram mal recebidos pela crítica; de qualquer modo, foram discutidos e vendidos muito mais em função do próprio prestígio de Paulo Francis, e desprezados até mesmo por seus admiradores. Paulo Francis, conformado com seu fracasso como escritor, se consolava por seus livros terem sido ao menos discutidos como coisa séria por alguns críticos sérios. Note-se que as críticas mais pesadas a Francis, na época, foram as de dois notórios intelectuais conservadores: José Guilherme Merquior e Wilson Martins.
A esquerda da época, por sua vez, apesar de expressar sérias reservas, tratou Francis com respeito, tanto é que seu velho amigo, o editor comunista Ênio Silveira, que havia publicado Cabeça de Papel, organizou um número especial de sua Revista da Civilização Brasileira para que a obra de Francis fosse debatida por dois professores universitários, abrindo espaço para que Francis replicasse a cada um individualmente - o que ele fez da costumeira forma ácida e esnobe, chegando a dizer a um dos críticos que, para que ele chegasse a conhecer o que era realmente a "boa sociedade", garantiria pessoalmente sua entrada no então templo da boemia carioca, o restaurante Antonio's.
Seja como for, Francis admitiria logo depois, em seu livro de memórias, O Afeto que se encerra (1980), que contava que o sucesso como escritor lhe garantisse recursos materiais suficientes para abandonar o jornalismo diário, mas vergou-se ao fracasso comercial dos livros, incluindo as duas novelas reunidas no volume Filhas do Segundo Sexo, de 1982, em que havia feito uma tentativa de tematizar a emancipação da mulher de classe média no Brasil da época através de uma ficção sem muitos recursos formais, semelhante à do cronista José Carlos Oliveira (ou "Carlinhos" Oliveira), muito popular na época.
De fato, as expectativas infladas de Francis quanto às suas possibilidades de sucesso comercial não só eram ingênuas, dadas as dimensões do mercado editorial brasileiro, como também refletiam o que seria o fator determinante de seu papel subseqüente na cena jornalística.
Como dizia uma das grandes influências de Francis, o biógrafo de Trotsky Isaac Deutscher, não há como um intelectual original obter sucesso imediato: seu impacto é sempre lento e indireto, dada a necessidade do público de "absorver" idéias novas.
Guinada ao conservadorismo e trabalhos na televisão
O fim do regime militar, em 1985, colocou Paulo Francis numa situação similar a outros membros da elite intelectual brasileira que haviam militado na resistência à ditadura: se o fim do regime ditatorial atendia às suas aspirações políticas e intelectuais, ao mesmo tempo sentiam-se repugnados com a emergência de uma democracia de massa dotada de traços grosseiros e vulgares, combinados a uma consciência cada vez mais clara da incompetência e a corrupção dos governantes na Nova República.
Em Francis, cujo esquerdismo havia sempre combinado-se a uma constante reverência diante da alta cultura e a um certo esnobismo, esta repulsa o levou a uma postura de crítica emocional violenta em relação à classe política brasileira, expressa de forma às vezes dura, não faltando ofensas pessoais em suas crônicas e artigos da época. Que estes fossem protestos contra um estado de coisas efetivamente existente, é algo que não deixa margem a dúvida.
Sua combinação pessoal entre esquerdismo e elitismo, que até então o havia levado a solidarizar-se com as massas apesar das suas deficiências culturais, passou a se deslocar no sentido oposto, de uma oposição à vulgaridade que o levou cada vez mais a identificar-se com as elites (ou com o seu próprio ideal do que tal elite deveria ser, representar e defender).
Daí ele ter-se revelado cada vez mais descontente com o que considerava ser um certo esquerdismo inercial próprio à classe intelectual do Brasil, apegada aos ideais esquerdistas mesmo num momento de crise das idéias de esquerda e de hegemonia crescente do neoliberalismo e, finalmente, reconciliar-se e identificar-se com a mesma direita que havia combatido durante a ditadura.
Avaliar esta reviravolta ideológica de Francis é algo que depende da ideologia do avaliador. Para seus admiradores de direita, tratava-se de um ato de lucidez política; segundo o economista conservador Roberto Campos, Francis haveria descoberto que "o socialismo acabou, morreu, já não vale o investimento".
Francis, como trotskista, não havia sido jamais um admirador do regime político então vigente na União Soviética e nos seus satélites do Leste Europeu, e a queda do Muro de Berlim não o afetava diretamente em suas idéias políticas (Trotsky havia previsto a queda do stalinismo em seu A Revolução Traída).
No entanto, no mundo da década de 1960 e no Brasil da ditadura militar, uma postura esquerdista puramente literária e verbal - do tipo que o jornalista americano Tom Wolfe apelidaria radical chic - era algo muito bem visto em meios literários e jornalísticos.
Paulo Francis fez dura oposição ao governo
José Sarney, assim como à imprensa brasileira, que para ele tratava Sarney com excessivo e imerecido respeito. Francis por vezes comparava o comodismo e o "bom-mocismo" da imprensa brasileira com o que tinha como agressividade e a independência da imprensa americana. Encontrava-se, nesta época, dominado por um desencanto com o um crescente plebeísmo dos costumes políticos brasileiros, desencanto que tomaria a forma de rejeição elitista dos movimentos políticos de massa da época, e especialmente com o Partido dos Trabalhadores, que ele considerava "uma cópia grotesca do PCB", e que suscitaria, às vésperas das eleições municipais de 1988, um seu ataque violento à candidatura de Luiza Erundina à prefeitura de São Paulo.
Um de seus artigos atacando o candidato do PT (que segundo Francis transformaria o Brasil no "Sudão da América Latina") teve grande repercussão e provocou, entre várias reações, uma resposta de Caio Túlio Costa, então ombudsman da Folha de São Paulo. A tréplica de Francis gerou uma dura polêmica, sendo uma possível causa de sua mudança da Folha para o Estado de São Paulo. Na eleição presidencial de 1994 Francis apoiou a candidatura de Fernando Henrique Cardoso, que tinha como seu amigo pessoal, embora a razão mais provável talvez fosse Fernando Henrique Cardoso ser uma alternativa a uma nova candidatura de Luis Inácio Lula da Silva, a segunda de suas quatro candidaturas. A propósito de Lula, Paulo Francis gostava de citar Antônio Carlos Magalhães: "Entre Lula e uma alternativa, o povo vota na alternativa".
Desde 1980, tornou-se comentarista televisivo das Organizações Globo - uma virada emblemática para quem havia acusado Roberto Marinho de haver intrigado pelo seu banimento do país durante uma de suas prisões e o intitulado, em um artigo n'O Pasquim, "Um homem chamado porcaria". Celebrizou-se pelas suas aparições histriônicas no ar, onde exagerava na voz arrastada e grave, que se tornou uma marca registrada que lhe rendeu inumeráveis imitações. A notoriedade que lhe valeu esta nova persona pública, no entanto, serviu também para celebrizar seus comentários, que incluíam ataques politicamente incorretos a figuras públicas em evidência, como, por exemplo, o sindicalista da CUT Vicentinho, as prefeitas de São Paulo Luiza Erundina e Marta Suplicy, e o cantor Cazuza, entre outros.
Última polêmica e morte
Em inícios de
1997, no programa de TV a cabo do qual participava, Manhattan Connection, transmitido pelo canal GNT, Francis propôs a privatização da Petrobrás e acusou os diretores da estatal de possuírem cinqüenta milhões de dólares em contas na Suíça - acusação pela qual foi processado na justiça americana, sob alegação da Petrobrás de que o programa seria transmitido nos Estados Unidos para assinantes de canais brasileiros na TV a cabo.
Atormentado continuamente pelo processo, do qual não conseguia se desvencilhar, Francis chegou a, segundo o seu amigo e colunista político Élio Gaspari, obter que o então senador José Serra intercedesse junto ao presidente Fernando Henrique Cardoso para que este conseguisse o abandono do processo dos diretores da estatal. A intervenção não conseguiu resultados e o processo continuou.
Francis acabou por morrer de um ataque cardíaco, confundido por seu médico em seus primeiros sintomas com uma bursite.

FONTE: http://pt.wikipedia.org/wiki/Paulo_Francis

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